A marcha das vadias e a luta contra a sociedade que nos diz para não sermos estupradas, ao invés de dizer aos homens que não estuprem. Essa é uma bandeira que eu abracei sem pensar muito. Afinal, parece bem claro que essa é a atitude correta, não? A marcha aconteceu, eu não pude ir, mas deixei registrado meu apoio e tal. E tive que ouvir de uma pessoa da família "Mas, Amanda, então você é vadia agora?". Pois é, sou.
Há 2 semanas a Xuxa deu um entrevista polêmica, no Fantástico. A entrevista virou comoção nacional, gente defendendo e atacando a Globo e a Xuxa, não se falava de outra coisa. Eu não vi a netrevista, e preferi esperar pra dar minha opinião. E aí li esse post da Lola, que é extremamente sincero e solidário, e acho que ninguém falou melhor desse assunto. E como eu não vou falar melhor, indico a vocês, hehe.
Acontece que isso acabou me fazendo pensar na sorte que eu tive. Quando eu era bem mais nova, por volta de 13 anos, um primo bem mais velho se declarou apaixonado por mim. Entendam bem o que eu vou dizer: isso foi assustador, totalmente assustador, porque ele morava na minha casa. Ele dormia há alguns metros de mim. E ele era grande o suficiente para conseguir me imobilizar facilmente, até porque eu sempre fui magrinha.
Essa história ninguém na minha família tem a menor idéia de que tenha acontecido. A verdade é que eu tive muita, muita sorte, porque ele não era o tipo de cara que estupra, ou força alguma coisa. Era só uma pessoa que achava estar apaixonado (ou estava mesmo, sei lá) por mim. Mas eu morri de medo, mesmo. Eu era criança de tudo, nunca tinha ficado, nem tinha me apaixonado.
Não foi fácil assimilar a informação. Ele pediu desculpas, falou que era pra eu esquecer isso, que nunca ia forçar nada. E eu ali, ouvindo, apavorada e confusa. Fiquei muitos, muitos anos sem ter coragem de contar isso pra ninguém. Tive medo de falar com meus pais, até porque, afinal, nada havia acontecido. E tive medo de ser vista como culpada, medo do que a minha famíla (grande pra cacete e cheia de fofoqueir@s) ia falar. Sério, eu achei que a culpa era minha, que eu deveria ter sido menos legal com ele, que deveria ter ficado mais quieta.
Eu e ele éramos amigos, conversámos muito. Tudo acabou nesse dia - eu não conseguia mais tratá-lo normalmente, e passei a ser extremamente ríspida com ele, pra fazer ele se afastar. Todo mundo percebeu a mudança, claro, entretanto eu não expliquei nada.
A revelação foi feita antes do almoço de natal, e eu lembro que perdi a fome. Lembro também de um dia, o mais aterrorizante de todos - eu acordei no meio da noite e vi ele olhando pra mim, perto da minha cama. Lembro do medo, e de como eu quase gritei, mas ele foi embora e nada fez.
Eu sei que isso me causou um trauma, que podia ser muito maior. Eu
sempre fui tímida, magrinha, nunca fui "a garota que se desenvolveu
antes". Sempre me achei feia, esquisita. Depois disso, eu tive mais vergonha ainda de mim. Usava umas roupas muito
folgadas, me escondia, não quis saber de chegar perto de meninos até
pelo menos os 16 anos.
O que eu quero dizer com isso é - se eu, que não sofri nada além do susto e do pequeno trauma, tenho problemas até hoje pra falar disso (consegui falar apenas com amigos, muitos anos depois, e a minha família não faz ideia), imaginem para vítimas de estupro? Imagine uma pessoa pública? Imagine qualquer pessoa?
Acho que, ao inves de demonizar um depoimento desses, devemos apoiá-lo. Não importam as circunstâncias. E digo mais - essa é, provavelmente, a única situação em que eu sou parcial de verdade. Estarei sempre propensa a acreditar se alguém disser que foi estuprad@, até que se prove o contrário. Novamente, não importam as circunstâncias. Transar com uma mulher desacordada é estupro, mesmo que ela seja sua namorada, mesmo que ela tenha trocado carícias com você instantes antes. Se ela mudou de ideia e você não, também é estupro. Não somos obrigadas a transar porque achamos você bonitinho. Se ela não consentiu, É estupro, e ponto final.
Perda total: a revolução dos órgãos
Há 4 meses
Como comentar uma coisa dessas?
ResponderExcluirAcho que digo isso em nome de todos os seus amigos: que você tem nosso total apoio. No que der e vier.
Mas eu acho que sentir vergonha de quem você é não é algo válido.
Mesmo tendo sido uma experiência traumática eu acho que ela faz parte de quem você é. E assim você vai crescendo como pessoa.
Eu não tenho nenhum trauma desse tipo, mas os que eu tenho de outros tipos também são importantes para fazer de mim quem sou. E não posso ter vergonha disso.
Não tenho mais tanta vergonha, até tomei coragem e coloquei isso aqui. Porém não vou contar pros meus pais. Nunca vou conseguir.
ExcluirO pequeno trauma (digo pequeno porque sei como podia ser maior) me afetou durante muito tempo. É parte da minha história, mas também é passado. E tudo bem, sabe? Nem vejo mais o tal, ele seguiu a vida dele, e eu a minha.
Brigada pelas palavras! =D
Anônim@, não há nenhum problema em você não querer dizer quem é. Se você quiser me falar depois, fale e eu não publico aqui; se não, tudo bem. Não consigo imaginar o que você passou, e só posso dizer que você tem coragem sim - você denunciou, foi fazer reconhecimento, sofreu muito mas não deixou de fazer o que era certo, e evitou que acontece com outras pessoas. Ser assaltado já é um trauma sem tamanho, tira a sua liberdade pessoal. Ser violentado ainda por cima... terrível, terrível. Que bom que seus pais te ajudaram, que você teve pessoas pra te apoiar. Essas coisas a gente não esquece, não dá pra apagar. Mas parabéns por ter feito o certo, e pela coragem. Tenha orgulho de você. Eu não sei quem você é, e já tenho.
ResponderExcluir...
ResponderExcluirQuando eu te encontrar na faculdade, quero te dar aquele abraço.
=D Abraços são bem vindos sempre!
ExcluirQualquer aproximação indesejada causa trauma em crianças. Meu primeiro beijo foi aos 9 anos com uma funcionária da minha mãe 10 anos mais velha. Na época me senti culpado tb e fiquei sem falar com ela por muito tempo, fugindo dela, mas depois superei. Mas sim, aquilo foi um abuso pois eu era uma criança e ela já maior de idade, onde estava com a cabeça??? Aos 22 eu fiquei a fim de uma garota mas daí descobri que ela tinha 13 anos apenas. Ela aparentava ser bem mais velha, mesmo assim me senti envergonhado de olhar pra uma menina daquele jeito. Foi uma experiência muito boa participar da marcha, juntar minha voz e expressão a tantas outras pessoas, espero contar com vc ano que vem, Dinha! ;)
ResponderExcluirIsso é abuso sim, Fá. Você era criança, e a gente não entende nada quando é criança. E na pròxima Marcha eu quero muito dar um jeito de ir!
ExcluirEu apenas sinto uma certa honra de você querer compartilhar isso com seus amigos atuais. E admiro sua coragem ao querer revirar um tópico tão complicado e doloroso..
ResponderExcluirBrigada, moça. Honra é uma palavra bonita de se sentir, hehe. Eu quis dividir isso não sei bem porquê, mas acho que exorcizar fantasmas com pessaos que gostam de você, e de quem você gosta, é sempre muito positivo.
Excluir